Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Causas Profundas do Subdesenvolvimento, artigo de Millos Augusto Stringuini

Publicado em fevereiro 27, 2012 por
Compartilhe:

AS PROFUNDAS DO SUBDESENVOLVIMENTO.
Millos Augusto Stringuini, Dr. Sc1
[EcoDebate] O desenvolvimento dos países tem sido analisado e comparado segundo uma ótica econômica tradicional usando indicadores como, por exemplo, PIB, IDH e similares.
Esses indicadores sempre serão incompletos, pois o desenvolvimento de um país depende fundamentalmente de sua Gestão Territorial. O grau de administração territorial integrada (gestão territorial) determina o nível de desenvolvimento dos países. Paises com gestão territorial eficaz são desenvolvidos, independentemente da exuberância de suas riquezas naturais. Para entender essa realidade, basta comparar os países nórdicos com países da África ou mesmo da América Latina.
Obviamente, fatores históricos e culturais possuem um peso muito grande nessa comparação. Todavia, hoje, é perfeitamente possível verificar que a evolução positiva de nações está amplamente ligada à gestão territorial. Preservar às águas, manejar adequadamente as florestas, gerenciar os processos de uso dos solos com práticas científicas, éticas e suportadas em matrizes adequadas de financiamento às redes produtivas, certamente, mudam o perfil de uma nação.
No caso brasileiro, o problema é bem conhecido com pouca probabilidade de reversão do quadro atual em curto prazo, pois o Brasil tem por tradição administrativa o culto ao Estado forte, legalista, fiscalista e, por vias de consequência, paternalista, personalista. Essa postura centralizada e centralizadora remonta aos tempos do Império e assim se mantêm nos dias atuais. Por exemplo, falamos em democracia, mas mantemos quase intacta, uma matriz tributária centralizada como nas ditaduras e a administração pública centralizada em todos os níveis prima pela adoção de procedimentos de mandato-controle.
Quando se fala do Marco Legal Ambiental, ufanam-se os brasileiros dizendo possuírem a mais evoluída legislação ambiental do mundo. Todavia, mesmo com essa legislação, continuamos com os rios, lagos e o mar territorial poluídos e as múltiplas formas de contaminação do meio ambiente terrestre e das pessoas. Prova dessa realidade é o equacionamento dos problemas de disposição final dos resíduos sólidos que está longe de ser resolvido no país, contendo um atraso tecnológico de décadas em relação a muitos países desenvolvidos. Os passivos de disposição final de resíduos sólidos existentes no Brasil ainda levarão decênios para serem solucionados na prática.
A realidade é uma só: – mesmo com todos os elementos legais e institucionais existentes, bem como com algumas medidas econômicas de melhoria da distribuição de renda, o Brasil não consegue administrar adequadamente seus enormes passivos sociais e ambientais ou de subdesenvolvimento e degradação ambiental.
Esses fatores de subdesenvolvimento continuam cotidianamente crescendo e gerando novos efeitos negativos, na exata proporção do crescimento populacional concentrado em grandes cidades, associado à estimulação continuada do consumo. As informações sobre violência e a criminalidade social e ambiental crescente, cotidianamente divulgadas por todas as mídias, são provas dessa realidade.
Rios poluídos que não possuem projeto de despoluição, favelas que não possuem projetos de regularização territorial, ampliação da produção de resíduos sólidos com ampliação dos lixões existentes são realidades que não podem ser escondidas e esquecidas.
Associado à falta de Gestão Territorial adequada e, principalmente, do uso corrente de suas eficazes ferramentas, todas elas cientificamente comprovadas, os processos de desenvolvimento no Brasil se mantêm muito pouco presentes para mais de 100 milhões de pessoas. Melhora um pouco aqui, outro pouco lá, mas no contexto geral muito pouco muda, pois as melhorias são aleatórias e intermitentes.

A redistribuição de renda se alterou de forma insuficiente e quase nada evoluímos na solução dos passivos e déficits, na saúde pública, nas infra-estruturas e ambientais. Ao contrário, em muitos casos, pioramos em termos quantitativos e qualitativos e, assim, continuamos com um Custo Brasil elevado.
Esses problemas possuem uma causa profunda, qual seja, muitas instituições públicas estão transformadas em corporações públicas.
Os princípios éticos que devem nortear as instituições públicas são aqueles relacionados com a promoção e a proteção da cidadania e do meio ambiente. Entretanto, quando as instituições públicas se transformam em corporações públicas os princípios éticos passam a sofrer relativização em detrimento dos fatores de promoção interna corporis.
Em todos os cantos do planeta, para as corporações, o desenvolvimento dos países só interessa se trouxerem benefícios “interna corporis”.
No Brasil, o processo corporativista de muitas instituições públicas e privadas é público e notório, sendo cotidianamente apresentado nas mídias, nos incontáveis casos de corrupção. Nada muda, pois corporações não combatem corporações e essas são sempre poderosas, econômica e politicamente.
O jornal Zero Hora (10/7/11), de Porto Alegre, publicou uma entrevista do Senhor ADYLSON MOTTA, ex-presidente do TCU-TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.
Conforme a reportagem, Adylson Motta, foi Ministro do Tribunal de Contas da União por sete anos e com cinco mandatos legislativos no currículo, tendo sido testemunha de como os interesses políticos contaminam as decisões do principal órgão de controle das contas públicas do país.
Aquilo que seria um tsunami institucional e jurídico em um país desenvolvido, no Brasil não durou mais que quinze dias de pífia indignação nacional.
O Senhor Adylson Motta disse:
Em Brasília, chega a ser perigoso ser honesto.
A legislação é frouxa. E as autoridades, em vez de tornarem as leis ainda mais severas, fazem o contrário. Isso está acontecendo agora, com as licitações para as obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Não há interesse em fiscalização. Um dos maiores problemas do país é a leniência dos governos… o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva procurava desmoralizar os órgãos de controle, como o TCU. Não vejo razão para ser otimista. Qual é a melhora que tem havido no Congresso? A única certeza é de que a próxima legislatura será pior do que essa. Deveria haver uma lei, algo parecido com a ficha limpa. Mas hoje quem decide são os partidos. E, sejam governo ou oposição, não têm mais autoridade moral. O maior problema é essa relação incestuosa dos políticos com os empresários. Quem faz uma campanha patrocinada, corrompida, à base de dinheiro de empreiteiras e bancos, vai desempenhar o mandato com as mãos amarradas.
Essas declarações do ex-ministro provam que as corporações são monolíticas e dotadas de consistentes estabilidades organizacionais. Estão organizadas para proteger preferencialmente seus membros permanentes contra medidas institucionais e legais externas. A inimputabilidade das corporações é evidente e, os raros resultados obtidos pela cidadania contra elas são mínimos. Por exemplo, corporações não são punidas pela incompetência no desempenho de suas funções públicas delegadas.
Carlos Guilherme Mota2, publicou no jornal Estado de São Paulo em 19/02/2012, um artigo intitulado a Metástase da Mediocridade, nele diz:
…. o historiador Eric Hobsbawm gosta muito de nós, e do Brasil. Em uma de suas obras, porém, menciona São Paulo e a Cidade do México como das mais inabitáveis do planeta. Um amor ambíguo, vê-se, como quase todos os amores. Em outra obra, a conhecida A Era dos Extremos, o historiador “muy amigo” diz que o Brasil é um “monumento à irresponsabilidade social”, única referência ao País. Como discordar? A irresponsabilidade política e ideológica continua a ser uma das marcas do atual debate político-ideológico brasileiro, tanto no Estado como na cidade de São Paulo, urbe em que já floresceram algumas das mais significativas de nossas lideranças…
O problema não ocorre apenas neste Estado e nesta capital, pois quanto ao resto do País, o aterrador artigo “As cidades e o sertão”, do professor Luiz Werneck Vianna, sobre a nomeação de Aguinaldo Ribeiro (PP) para o Ministério das Cidades, publicado na página 2 do Estado em 14 de fevereiro, dá-nos a medida do buraco em que estamos todos metidos neste infernal “modelo” político de “governo de coalizão”. Um modelo, em verdade, fruto do velho coronelismo, enxada e voto, ou atualizando a tese do saudoso Victor Nunes Leal, do mandonismo, curral e mídia eletrônica…
Hoje cresce a irresponsabilidade dos políticos frente aos problemas da cidade de São Paulo, do Estado e do País, um dos traços mais graves denossa vida em sociedade.
Inegavelmente, os flagrantes de incompetência das corporações na gestão dos interesses coletivos e difusos são tão constantes que saltam a olhos vistos, sendo que essas incompetências no Brasil não são punidas, ou pior, são freqüentemente relativizadas e aceitas como parte integrante e necessária do “jeitinho brasileiro”.
Por exemplo, muitos dos “sistemas de informática” no Brasil estão impregnados de erros e ilegalidades, mas não existem instituições com poderes de auditoria sobre os mesmos, sem antes serem travadas infindáveis batalhas judiciais que duram anos, fazendo os problemas perderem sentido ao final do processo.
A correção dos erros dos diversos tipos de “sistemas e instituições”, vias de regra, nefandos por incidentes contra a população mais desprotegida, nunca ocorre e seus autores nunca sofrem qualquer tipo de punição. Tudo fica como está até que alguém com poder econômico e ou político seja atingido e exija a correção.
O mesmo ocorre com os problemas ambientais. O enredamento corporativo burocrático e tão grande que a perdedora sempre é a natureza.
O volume de incompetências é tão grave no Brasil que até hoje, em 2012, ainda temos atentados aos direitos humanos. Os maiores exemplos são os reincidentes casos de trabalho escravo ou semi-escravo de brasileiros e estrangeiros no território nacional e as masmorras do Brasil.
Definitivamente, o desenvolvimento de uma nação não comporta relativizações e incompetências, pois deve ser fundado sobre uma pirâmide de competências humanas e institucionais, as quais deverão praticar de forma eficaz a gestão territorial integrada e a ética pública.
Sem mudanças profundas no quadro institucional vigente, com um profundo processo de regionalização nacional e descentralização administrativa, o caminho do subdesenvolvimento social e ambiental continuará aberto e progressivo na nação brasileira.
Prof. Millos A. Stringuini, Dr.Sc.
Biólogo – Doutor em Ciências do Meio Ambiente.
Perito – Consultor Internacional – Projetos e Financiamentos.
Porto Alegre – RS – Brasil

1 Biólogo, Doutor em Ciências do Meio Ambiente. Prof. Chair Sud DSGE – Université de Liége – – Bélgica. Perito e Consultor Internacional.
2 Historiador, professor emérito da FFLCH –USP, Professor da Universidade Mackenzie, autor da obra Educação, Contraideologia, Cultura (ED. Globo).
EcoDebate, 27/02/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário


Informação & Conhecimento