Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Perspectivas para 2011 a 2014 _ Estado de S. Paulo

07 de novembro de 2010
Amir Khair - O Estado de S.Paulo

Nos próximos anos, o desenvolvimento mundial será puxado pelos países emergentes, com destaque para a China e o Brasil. Os países desenvolvidos ainda deverão continuar em ritmo lento de crescimento econômico. Os Estados Unidos ainda deverão sofrer as consequências dos seus déficits gêmeos, dos elevados níveis de desemprego, endividamento público e das pessoas. Os países da zona do euro terão de resolver os graves problemas fiscais e de perda de competitividade externa para a agressividade comercial chinesa. O Japão deverá continuar patinando, fugindo da ameaça da deflação.

O comércio internacional deve crescer em ritmo lento e ser caracterizado por forte disputa para ampliação e conquista de mercados, especialmente devido às novas camadas da população incluídas no mercado de consumo dos países emergentes. Todos precisando exportar e conter importações. É uma equação que não fecha e que pode trazer como consequência elevação do protecionismo, guerra cambial e estabilização e/ou redução dos preços em escala global.

Dentro deste cenário, será difícil ampliar as exportações, especialmente de produtos industrializados. Devem ser exceção as commodities e os alimentos, também puxados pelo aumento do consumo interno dos países emergentes.

Esse é o cenário externo que considero mais provável para os próximos quatro anos. Face a esse cenário, o que deveríamos fazer? Como prioridades absolutas, continuar a desenvolver o mercado interno e procurar reduzir o custo Brasil.

Mercado interno. O Brasil possui um imenso potencial ainda inexplorado no seu mercado interno, fruto da má distribuição de renda, que impede que amplas camadas da população participem do mercado de consumo e/ou ampliem o consumo de bens e serviços cujo consumo é restrito devido à baixa renda. Para isso, várias políticas já implantadas devem ser ampliadas nos seus alcances. A mais importante é a regra de correção do salário mínimo, que deveria continuar crescendo acompanhando o crescimento do PIB. Em seguida, considero necessário ampliar o valor a ser destinado ao Bolsa Família. Atualmente, a despesa deste programa é de R$ 13 bilhões, que corresponde a 0,4% do PIB, ou 1,4% da receita do governo federal. Existem vários outros programas de redistribuição de renda, que devem ser ampliados.


Outra medida de caráter geral atingindo todo o mercado de consumo é a redução dos juros cobrados pelo sistema financeiro e comércio. Para isso, deve ser dada continuidade à política de fortalecimento do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal (CEF) para ampliar suas penetrações no mercado via oferta de taxas de juros mais atraentes do que as oferecidas pelo sistema financeiro privado. Infelizmente, o Brasil é o país que cobra as mais altas taxas de juros do mundo aos seus tomadores.

Mas não basta essa ação do BB e CEF. O governo pode estabelecer a regra de graduar o porcentual de depósitos compulsórios de acordo com as taxas de juros cobradas pelo banco. Serve ao mesmo tempo de estímulo ou punição aos bancos, conforme sua política de juros.

Outras regras voltadas ao tempo de retenção do depósito compulsório e sua remuneração pelo Banco Central (BC) podem ser aplicadas com vistas à redução da taxa de juros das operações do sistema financeiro. Para implantar essas medidas, basta resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), que depende só do governo, não tendo de passar pelo Congresso Nacional.

Políticas de alto poder estimulador do consumo estão na redução do custo da reprodução da mão de obra. Além dos estímulos à produção de alimentos, seus custos para o consumidor podem ser reduzidos ao minimizar os custos de intermediação, com vantagens ao produtor e consumidor. Existem experiências exitosas em prefeituras que deveriam ser difundidas para serem aplicadas em outros municípios. É a aproximação do produtor ao consumidor. Os custos para isso são reduzidos. Despesas com transporte coletivo podem ser reduzidas ao rebaixar os preços do óleo diesel, eliminar tributos sobre a fabricação de ônibus, ampliar a rede de metrôs e trens. É preferível jogar recursos em transporte de massas financiados do que para o transporte individual. Os sistemas de metrô e trens nas grandes metrópoles estão mais de trinta anos atrasados como meio de transporte de massas.

As despesas com habitação podem ser reduzidas com a ampliação do programa Minha Casa, Minha Vida, conforme promessa da futura presidente. As despesas com medicamentos podem ser reduzidas pela gratuidade e/ou redução de preços em farmácias populares para um conjunto de medicamentos de maior uso da população.

Investimentos em saneamento básico reduzem sobremaneira as despesas com a saúde. Devem ser ampliados e ocupar posição de destaque nos financiamentos das fontes oficiais de crédito.

Essas são apenas algumas sugestões que contribuem para reduzir as despesas forçadas da população, especialmente de menor poder aquisitivo. Com menores despesas, sobram mais recursos para serem usados em consumo e lazer.

Custo Brasil. Costuma-se definir o custo do País como sendo a sobrecarga de custos para as empresas trazida pelos tributos, logística, infraestrutura, juros e burocracia. Todos esses custos podem impedir a competitividade interna e externa das empresas. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) contribui para atacar parte dos problemas de logística e infraestrutura. Seu alcance, no entanto, ainda é limitado. Sabe-se que a participação de recursos do Tesouro Nacional neste programa é da ordem de 13%, ficando o restante por conta das estatais e do setor privado, auxiliado ou não pelo BNDES. O governo deverá aumentar gradualmente os recursos próprios ao PAC, e o mesmo é possível que ocorra pelas estatais, setor privado e BNDES.

Além dessa evolução do volume de recursos em ascensão pelo PAC, outras medidas podem ser tomadas para reduzir o custo Brasil. Uma delas, de forte impacto, é na redução dos custos de transporte. Além das novas estradas e ferrovias em construção, o preço do diesel pode ser reduzido em subsídio cruzado com a gasolina, que atende ao transporte individual. Deveriam ficar isentos do pedágio e do IPVA os veículos para transporte de carga. Parte dessa isenção depende dos governos estaduais, os quais poderiam ser estimulados pelo governo federal na política de transferência de recursos voluntários aos Estados.

Na questão relativa aos juros, o BNDES já cumpre função importante na oferta de taxas de juros atrativas aos investimentos de longo prazo e o governo já deu forte impulso para a ampliação do volume das operações deste banco de fomento. Enquanto o setor financeiro privado não aumentar sua oferta de créditos de longo prazo, as empresas terão de investir com recursos próprios da Bolsa de Valores, de empréstimos externos e de lançamentos de debêntures. Quanto ao capital de giro, as linhas oficiais de crédito seguem a orientação do governo para redução gradual, e valem aqui as mesmas observações feitas sobre a política diferenciada de depósitos compulsórios.

Na redução de tributos, merece destaque a plena desoneração dos investimentos e a redução do IPI para setores que interessa estimular devido ao poder da cadeia produtiva envolvida de gerar empregos e/ou de estimular a competição. A elevação do imposto de importação, estabelecimento de preço mínimo ou quota de importação são necessários para os produtos importados com características de dumping, especialmente provenientes do leste asiático.

Falta a transparência na informação do peso de cada tributo sobre o preço dos produtos. Pouco se informa que o ICMS, de responsabilidade exclusiva dos Estados, é responsável por metade dos custos do consumo. Além disso, suas alíquotas para o mesmo produto variam de Estado para Estado, sendo fundamental a comparação entre essas alíquotas para evidenciar os Estados que mais abusam da tributação do ICMS e quais os que procuram estimular as atividades em seu território.

Quanto à burocracia, tem-se quase tudo por fazer para simplificar a vida das pessoas e das empresas, a começar pela redução das exigências de excesso de documentação para obter qualquer autorização e/ou comprovação por parte dos órgãos públicos. Conforme pregava o saudoso Hélio Beltrão, deve-se partir do princípio de que os cidadãos são honestos salvo prova em contrário. Como isso não ocorre, cria-se um cipoal de controles que punem o conjunto da sociedade devido a uma minoria que transgride, pois sempre acha um jeito de se livrar desses controles e a impunidade garante isso. Nos países com maior nível de cidadania os que delinquem têm punição dura. Aqui, escapam pela lerdeza da Justiça.

Creio que, trilhando esse caminho de fortalecimento do mercado interno e de redução do custo Brasil, o País tem condições de manter nível elevado de crescimento sem riscos de inflação. Vejo perspectivas favoráveis, desde que não se adote a política de pé no freio da economia motivada por receio da inflação e déficit externo.

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