Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Projeto auxilia a mapear emissões de GEE

Por Neuza Árbocz (Envolverde) / Edição de Benjamin S. Gonçalves

Tradicionalmente, preço e qualidade definiam uma decisão de compra. Hoje, contudo, pressionadas por novas regulamentações, por investidores e por uma parcela mais consciente de executivos e consumidores, muitas corporações também investem em conhecer e reduzir sua “pegada de carbono”, ação que já expandem também para seus fornecedores.

“No Reino Unido, esse dado já é tão importante [para a efetivação de um negócio] quanto o valor cobrado”, esclareceu Simone Oliveira Zahran, diretora no Brasil do Carbon Disclosure Project (CDP), uma iniciativa que auxilia empresas de todo o mundo a mapear as emissões de gases de efeito estufa (GEE) decorrentes de suas atividades.

Isso significa que não basta uma companhia oferecer a melhor qualidade pelo melhor preço, pois os compradores também avaliam, cada vez mais, quais impactos ambientais ela causou durante seu processo de produção e se ela tem uma postura responsável de redução e compensação dos mesmos.

“Os fornecedores de transporte para o Walmart, por exemplo, ao serem convidados a levantar e divulgar os dados de suas emissões por meio do questionário do CDP, perceberam oportunidades para reduzir suas emissões e foram os primeiros a fazê-lo. Com isso, abarcaram mais mercado de forma pioneira”, exemplificou a diretora, durante encontro com empresas realizado no dia 11 de fevereiro, na sede do Instituto Ethos, em São Paulo, para esclarecer como o CDP funciona.

“Ter uma gestão sustentável é cada vez mais estratégico”, comentou na ocasião Paulo Itacarambi, vice-presidente do Instituto Ethos. Itacarambi vem conduzindo a estruturação do plano de ação da instituição para os próximos 10 anos e explicou que o Ethos priorizará trabalhar com as empresas em suas cadeias de valor. “Queremos que as mudanças climáticas, a redução de emissões e a produção sustentável se desenvolvam na cadeia inteira, num processo igual ao que ocorreu com o controle de qualidade”, acrescentou.

De fato, para conhecer, mitigar e compensar suas emissões diretas e indiretas, uma empresa precisa também saber quanto de emissões realizaram seus fornecedores ao atender seus pedidos. Essa medição só se torna efetiva com uma metodologia unificada, possibilitando comparar os dados e eliminar contagem duplicada. “Hoje, o CDP, em oito anos de trabalho contínuo, é a maior base de dados sobre as emissões de gases de efeito estufa pelo setor produtivo, no mundo todo”, salientou Simone Zahran.

As vantagens para as empresas participantes são conhecer seus dados por meio de metodologias consagradas e integrá-los nessa base comum, ampliando sua possibilidade de interação, troca de informação e divulgação de compromissos e conquistas em adequação e melhorias. Um fator essencial tanto para manter como para atrair novos investidores.

Muito além do carbono
Emitir carbono é um ato natural de toda a vida orgânica no planeta. Na realidade, essa emissão é que forma as condições atmosféricas para a existência de plantas e animais na Terra, inclusive do bicho homem. A expressão “emitir carbono” é uma simplificação da emissão de gases como o CO2 (produzido pela respiração vegetal e animal), o metano (produzido pela decomposição de qualquer material orgânico, desde frutas e verduras até árvores e os próprios corpos humanos) e o óxido nitroso (produzido pelos mares e florestas), entre outros. Esses gases retêm os raios infravermelhos e se aquecem, gerando o chamado “efeito estufa”. Sem ele, a temperatura média na Terra seria em torno de –15° C e não existiria água na forma líquida nem vida.

Esse processo natural, contudo, recebeu um reforço inesperado das atividades humanas, desde a revolução industrial, com a extensa queima de florestas e de combustíveis fósseis, e com a produção de elementos estranhos à natureza, como os clorofluorcarbonos (CFCs), entre outros poluentes. O planeta procura se adaptar como pode. Árvores, plantas e plânctons absorvem mais e mais CO2 tentando compensar sua hiperemissão. Mas, dado o ritmo crescente, intenso e acelerado das intervenções humanas, os ciclos naturais não conseguem se reequilibrar, a ponto de impedir mudanças de alto impacto, como temperaturas extremas, tempestades e derretimento de calotas polares.

Depois de alguma polêmica quanto ao papel humano nessas mudanças, cerca de 2.500 cientistas reunidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para análises aprofundadas no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) concordaram que estamos mesmo afetando o refinado balanço de trocas responsável pela vida nesta pequena parte do universo que nos serve de casa.

As mudanças climáticas já estão tão aceleradas que nem é mais preciso se debruçar sobre números, tabelas e dados para concluir que a poluição gerada está, de fato, voltando-se contra nós mesmos. Todos somos responsáveis por entender e alterar os efeitos daquilo que produzimos, consumimos e descartamos. E fazê-lo abertamente, utilizando uma plataforma comum, pode nos economizar um tempo precioso, que se refletirá em melhor eficácia para lidarmos com os desafios à frente.

Transparência recompensada
“Os investidores querem contemplar empresas ativas nesse processo”, testemunhou Simone Zahran, com a segurança de quem representa 534 dos maiores compradores mundiais de ações. Este é o número de bancos, seguradoras e fundos de investimentos signatários do Carbon Disclosure Project, que, como o nome diz, trabalha para o registro e a divulgação pública das emissões de cada setor e de cada corporação.

Em nome de seus signatários, o CDP convida empresas a preencher questionários sobre suas emissões, informando-as que este é um pedido dos seus próprios acionistas. Ao receber a solicitação, as empresas podem declinar, responder de forma restrita (acessível apenas aos solicitantes) ou responder de forma aberta a todos. Sua resposta é divulgada no relatório anual do CDP, conforme sua opção. Os dados de quem responde em privado também são computados nos documentos gerados, estabelecendo o quadro geral das emissões no mundo e o planejamento de sua mitigação.

Ainda há receio quanto ao relato público por se tratar de uma questão pouco compreendida. Contudo, as empresas que abraçaram esse compromisso têm colhido bons frutos. Lincoln C. Fernandes, da área de Responsabilidade Socioambiental do Bradesco, por exemplo, explicou que, com a adesão ao CDP e a divulgação em aberto, a empresa tem avançado no engajamento pela sustentabilidade, tanto interno quanto externo. O banco está obtendo informações mais precisas e melhor compreensão entre seus funcionários e fornecedores do que são emissões, suas origens e que riscos socioambientais suas atividades envolvem, o que resulta em melhores resultados na aplicação de soluções construídas de forma participativa.

Além disso, o banco se beneficia de treinamentos oferecidos pelo CDP e de uma útil troca de práticas com outras empresas e com seus próprios fornecedores. Outro ponto positivo é o ganho em imagem e reputação, sobretudo no mercado externo. “Integramos o Índice Dow Jones de Sustentabilidade, e iniciativas como o preenchimento dos questionários do CDP são valorizadas na avaliação internacional”, comentou Fernandes.

O Bradesco aderiu ao CDP desde o início de das atividades do projeto no Brasil, em 2006.



Brasil na liderança
As empresas brasileiras surpreendem positivamente na adesão ao projeto. O Brasil é o segundo país em número de participantes, ficando atrás apenas do Reino Unido, onde a inciativa começou. Em 2009, 77,5% das empresas brasileiras convidadas responderam à solicitação do CDP.

Graças à recepção positiva no Brasil, o CDP estendeu sua atuação para Argentina, Chile, México e Peru, e planeja alcançar o Uruguai, a Colômbia e a Bolívia em 2011. “Fomos pioneiros. Agora, temos a chance de sermos líderes nesse processo, pois, além de termos melhores informações antes, nossa matriz energética é mais limpa e podemos sair à frente na adoção e difusão de melhores práticas e soluções”, analisou João Gilberto Azevedo, da área de Desenvolvimento e Orientação do Instituto Ethos.

Outros relatórios estão sendo elaborados, como o Water Disclosure – no Brasil, a Vale e a Petrobrás já foram convidadas a integrá-lo – e o Forest Disclosure. “O objetivo final é proteger a vida no planeta”, salientou Simone Zahran, lembrando que o prazo para inscrever-se no CDP Supply Chain vai até 15 de março, com fornecimento das respostas até 31 de julho.

Para saber mais:
• Carbon Disclosure Project;
• Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC);
• IPCC – Efeito Estufa;
• GHG Protocol (o protocolo mais utilizado para a medição das emissões);
• O Que É Efeito Estufa (Química Ambiental da USP).

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